Os 25 Melhores Livros do Século 21

Lista dos 25 melhores livros do século 21 revela processo de apropriação da bibliodiversidade e importância das pequenas editoras na publicação de grandes autores
A criação de uma lista dos “mais importantes”, “melhores livros do século 21”, “representativos” etc. produtos culturais de uma época é sempre problemática e, por isso mesmo, muito relevante.
Ela acaba por consolidar gostos, posições, um certo cânone do que, em alguma medida, será lido por gerações. Listas de jornais são também reveladoras de quem faz o cânone, ou seja, tão importante quanto a lista de votados acaba sendo, para a sociologia da cultura, a de quem vota.
Assim, os critérios se mostram necessariamente autocráticos. Uma voz de autoridade se impõe e, mesmo que a gente ria dela pelos cantos, por sua pretensão e pelos resultados, que expõem suas fragilidades, acabamos tendo de lidar com isso por muito mais tempo do que dura o jornal de papel. As listas informam e deformam ao mesmo tempo.
Esta, no entanto, não é uma discussão filosófica sobre a lista dos 25 melhores livros do século 21 feita pela Folha e publicada há pouco mais de uma semana. É um pequeno mergulho nela, para tentar extrair mais informações sobre o funcionamento do mercado editorial brasileiro.

O que está em jogo aqui não é, portanto, a qualidade literária nem a representatividade individual das obras, mas o que o conjunto expressa. E o que ele expressa, podemos adiantar, além da evidente dominação de mercado, é um processo de silenciamento de projetos editoriais e de construção de um ambiente onde falta bibliodiversidade.
Comecemos pelo óbvio: entre os 25 livros selecionados, 18 são publicados pela Companhia das Letras, 2 por sua filha mais nova, a Todavia, e 2 pela Record. Ao todo, portanto, são 22/25, ou seja, 88%, publicados por grandes empresas do setor – Companhia e Todavia fortemente amparadas por grupos bancários. As editoras independentes, Pallas (2) e Dublinense (1), são franca minoria.
Tal resultado é de se esperar? Talvez, porque de fato a Companhia das Letras domina o processo de validação literária, especialmente no gênero romance, com uma presença muito superior à de qualquer casa editorial nas listas de finalistas de prêmios de âmbito nacional, como o Jabuti.
Isso é bom? Definitivamente, não. Quando uma só casa editorial domina um cenário de construção ideológica como é a literatura, estamos retirando do cânone expressões políticas e culturais que encontram caminhos no mundo dos livros por meio de distintos projetos editoriais.
Índice
A Lista dos Melhores Livros do Século 21: Título – Autor – Editora atual
Título da Obra | Ver na Amazon | Autor(a) | Editora |
---|---|---|---|
Um Defeito de Cor | Ver Oferta | Ana Maria Gonçalves | Record (RJ) |
Torto Arado | Ver Oferta | Itamar Vieira Jr. | Todavia (SP) |
O Avesso da Pele | Ver Oferta | Jefferson Tenório | Companhia das Letras (SP) |
Nove Noites | Ver Oferta | Bernardo Carvalho | Companhia das Letras (SP) |
O Filho Eterno | Ver Oferta | Cristovão Tezza | Record (RJ) |
Olhos d’Água | Ver Oferta | Conceição Evaristo | Pallas (RJ) |
Eles Eram Muitos Cavalos | Ver Oferta | Luiz Ruffato | Companhia das Letras (SP) |
O Livro das Semelhanças | Ver Oferta | Ana Martins Marques | Companhia das Letras (SP) |
Pornopopeia | Ver Oferta | Reinaldo Moraes | Companhia das Letras (SP) |
O Sol na Cabeça | Ver Oferta | Geovani Martins | Companhia das Letras (SP) |
A Queda do Céu | Ver Oferta | Bruce Albert e Davi Kopenawa Yanomami | Companhia das Letras (SP) |
Ponciá Vicêncio | Ver Oferta | Conceição Evaristo | Pallas (RJ) |
Um Útero é do Tamanho de um Punho | Ver Oferta | Angélica Freitas | Companhia das Letras (SP) |
O Voo da Madrugada | Ver Oferta | Sérgio Sant’Anna | Companhia das Letras (SP) |
Cinzas do Norte | Ver Oferta | Milton Hatoum | Companhia das Letras (SP) |
Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas | Ver Oferta | Elvira Vigna | Companhia das Letras (SP) |
K.: Relato de uma Busca | Ver Oferta | Bernardo Kucinski | Companhia das Letras (SP) |
Machado | Ver Oferta | Silviano Santiago | Companhia das Letras (SP) |
Passageiro do Fim do Dia | Ver Oferta | Rubens Figueiredo | Companhia das Letras (SP) |
Budapeste | Ver Oferta | Chico Buarque | Companhia das Letras (SP) |
Leite Derramado | Ver Oferta | Chico Buarque | Companhia das Letras (SP) |
Diário da Queda | Ver Oferta | Michel Laub | Companhia das Letras (SP) |
Os Supridores | Ver Oferta | José Falero | Todavia (SP) |
O Som do Rugido da Onça | Ver Oferta | Micheliny Verunschk | Companhia das Letras (SP) |
Amora | Ver Oferta | Natalia Borges Polesso | Dublinense (RS) |
Como fica a lista dos melhores livros do século 21 se contarmos a primeira edição dos livros?
Esta não é, no entanto, a única coisa que a lista revela. Vamos refazer a tabela acima trocando a última coluna: em vez da editora atual, vamos buscar a primeira editora do livro canonizado pela Folha.
O que vamos enxergar, rapidamente, é o domínio absoluto da lista dos livros mais vendidos do século 21 exercido pela Companhia das Letras perder levemente força. De 18 títulos, 14 tiveram publicação inicial pela empresa.
A Companhia se apossou de Eles Eram Muitos Cavalos (2001, ex-Boitempo, uma editora independente), de Um Útero é do Tamanho de um Punho (2013, ex-Cosac Naify), Pornopopeia (2009, ex-Objetiva) e K.: Relato de uma Busca (2011, publicado apenas como K. pela Expressão Popular).
Nestes quatro livros, podemos perceber uma variedade de movimentos que levou a empresa a ampliar a hegemonia literária. Eles Eram Muitos Cavalos e K. vieram pela aquisição de direitos de obras já consagradas.
Um Útero é do Tamanho de um Punho foi uma espécie de herança do espólio de uma empresa que encerrou suas atividades, mesmo contando com o suporte de recursos tecnicamente (para o mercado editorial) ilimitados de outras atividades econômicas (mineração, sobretudo) de seus proprietários; por fim, Pornopopeia é fruto de uma das primeiras aquisições empresariais do grupo Companhia das Letras, da editora Objetiva, ocorrida antes da aquisição de parte substancial de seu capital societário pelo grupo internacional Penguin.

Ainda que fique evidente a preocupação e a dedicação editorial da Companhia das Letras em publicar ficção de autoria nacional, muito maiores do que a de seus grandes concorrentes, vemos um projeto de expansão econômico-editorial em ação, por diferentes frentes, no período. Isso mostra não apenas sua força, mas também sua versatilidade na apropriação de capital simbólico produzido por outras editoras.
Vamos às outras mudanças na lista dos livros mais vendidos do século 21: Torto Arado foi publicado, inicialmente, em Portugal, resultado de um prêmio da editora Leya vencido pelo autor. A rigor, portanto, o título não mudou de casa, mas já é fruto de uma aquisição, e não de uma seleção inicial da Todavia.
Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, trocou uma editora independente mineira, a Mazza, por outra independente, carioca, a Pallas, onde já publicava outras obras suas. K., de Bernardo Kucinski, foi lançado por uma editora militante, a Expressão Popular, ligada ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, e Amora trocou de selo, mas não de casa, dentro da Dublinense.
Em resumo, quem de fato melhorou sua posição na dança das publicações, essencialmente, foi a Companhia das Letras. Com exceção da Pallas, que ganhou um dos livros de Conceição Evaristo da Mazza, e da Todavia, que publicou Itamar Vieira Júnior comprando os direitos antes de qualquer publicação da obra no Brasil, ninguém mais ganhou títulos listados entre os mais importantes do século 21.
Cabe ressaltar, também, que nem sempre um livro consagrado faz uma editora se interessar pelo conjunto da obra do autor em tela. O caso de Bernardo Kucinski, por exemplo, é marcante: depois de publicar alguns títulos pela Companhia das Letras, o autor passou a publicar de novo por uma casa independente, a Alameda. Já são seis títulos publicados desde 2018, todos com repercussão significativa, com resenhas em grandes veículos e, mesmo, presença em premiações.
E quem primeiro publicou o autor? Diversidade regional esbugalhada
Vamos a mais uma nova pergunta, também interessante: quem primeiro publicou o autor? Quem, de fato, apostou na novidade literária, assumiu os riscos de investir capitais financeiros (ainda que financiado pelo por uma instituição ou pelo próprio autor), simbólicos e de “recursos humanos” – edição, capa, revisão, divulgação, distribuição, marketing, entre outras coisas que as editoras fazem e muitas vezes não percebemos?
Neste caso, a lista dos livros mais vendidos do século 21 muda totalmente: a Companhia das Letras continua na liderança, mas com apenas 6 dos 25 títulos (24%, ou 5 dos autores, uma vez que há duas obras de Chico Buarque na lista); temos a presença de duas publicadoras ligadas ao Estado, o Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul e a Imprensa Oficial de Minas Gerais; e dois dos autores recorreram, em seus primeiros títulos, à autopublicação (Ana Maria Gonçalves e José Falero, talvez não por acaso, dois autores negros).
Aqui, acreditamos, o mais interessante a destacar é a perda de diversidade regional. Esqueçamos, por um momento, as editoras, e foquemos nos Estados em que foram publicados os livros.
Se na lista dos melhores livros do século 21 atual a concentração em São Paulo é evidente (20 títulos, divididos entre 18 da Companhia das Letras e 2 da Todavia), contra 4 do Rio (2 da Record e 2 da Pallas) e 1 do Rio Grande do Sul (Dublinense), mudando levemente na lista de primeira edição da obra listada pela Folha (17 de São Paulo, sendo 14 da Companhia das Letras, 1 da Todavia, 1 da Boitempo e 1 da Expressão Popular), quando vamos à real descoberta de autores o jogo muda completamente.
Quando a lista dos 25 livros e 23 autores (Chico Buarque e Conceição Evaristo têm dois livros cada) é classificada pela publicação inicial dos escritores, apresenta-se assim a diversidade regional: São Paulo tem 11 nomes (5 da Companhia das Letras, 1 da Expressão Popular, 1 da Boitempo, 1 da Quilombhoje, 1 da Brasiliense, 1 da Cosac&Naify – dividido com a 7Letras, do Rio – e 1 da Landy); Minas Gerais tem 4; Rio de Janeiro tem apenas três autores – Elvira Vigna, Rubens Figueiredo e Angélica Freitas, a última dividida com a 7 Letras –; a Bahia tem 2, sendo 1 de autopublicação, Ana Maria Gonçalves –; o Rio Grande do Sul tem 4; e o Paraná tem 1.
Ou seja, no processo de legitimação literária, entre o “nascimento de um autor” (seu primeiro livro) e o “livro canonizado” (o que aparece na lista de melhores livros do século 21), ocorre uma radical concentração editorial em São Paulo.
A região Nordeste some do mapa completamente, mas mesmo Estados tradicionalmente considerados como centros literários relevantes no mercado editorial nacional – Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul – saem tremendamente enfraquecidos.
Bibliodiversidade desaparecida
A divulgação da lista dos melhores livros do século 21 da Folha veio acompanhada de uma justa celebração de ampliação da diversidade racial no cenário literário nacional. A presença de autores como Ana Maria Gonçalves, Itamar Vieira Júnior, Conceição Evaristo, Jefferson Tenório e José Falero na lista realmente demonstra a ascensão simbólica da literatura de autoria negra. Além disso, cabe ressaltar também a figuração de David Kopenawa, incluindo a literatura de autoria indígena como relevante no cenário da nossa “República” das Letras.
Este fato, a ser celebrado, no entanto, esconde uma crise na representatividade de projetos editoriais diversos, o que chamamos de bibliodiversidade. A concentração de tantos títulos numa única editora e a centralização em São Paulo das publicações mais relevantes demonstram uma hegemonia cultural e econômica preocupante.
Como a lista de melhores livros do século 21 não é resultado de uma seleção da própria Companhia das Letras, mas dos votos de uma centena de intelectuais, o que temos é uma hegemonia ideológica muito forte, que caminha junto com a dominação de mercado, movimentos sobre os quais o leitorado brasileiro como um todo deve refletir em busca de mecanismos de correção de distorções.
Diversidade de gênero na lista de livros mais vendidos do século 21 da Folha
Outro aspecto a se destacar é a presença de mulheres na lista. São 8/25 – ou 32% – os livros escritos por mulheres. Dos livros, 3 vieram e se mantêm em editoras independentes, caso das obras de Conceição Evaristo e Natália Borges Polesso.
Apenas Elvira Vigna, que teve uma ampla e diversificada carreira como tradutora, escritora e ilustradora, sendo muito reconhecida também pelos livros infantis, publicou seu primeiro livro por uma editora grande, a José Olympio.
É importante notar também que a maior parte dos livros de autoria feminina foi publicada após o início do movimento Leia Mulheres, que começou nos Estados Unidos em 2014 e chegou ao Brasil em 2015.
Exatamente nessa época, uma pesquisa da professora Regina Delcastagnè (UnB) revelava que 70% dos livros publicados no Brasil eram escritos por homens brancos. A partir desse movimento, surgiram inclusive muitas pequenas editoras que se propuseram a criar catálogos voltados para a publicação de autoras nacionais.
Ligação histórica da Folha com a Companhia das Letras
Por fim, este texto não pode terminar sem considerar a histórica relação entre a Companhia das Letras e Folha de S.Paulo. Desde a criação da editora, por Luiz e Lilia Schwarcz, a Folha foi um dos veículos mais próximos do projeto e mais engajados na divulgação e discussão de seu catálogo.
Isso não significa que a lista dos votantes ou os resultados foram propositadamente construídos para favorecer títulos da Companhia, mas é importante pensar que essas duas instituições do sistema letrado, uma publicadora de livros e uma de jornais, têm relações históricas e afinidades eletivas que as aproximam em suas concepções estéticas e de conteúdo.
Também por isso, a Folha tende a naturalizar este resultado, não se perguntando a fundo, em suas reportagens, o que explicaria tamanha dominação da Companhia no resultado.
Esses aspectos todos revelam como o conceito de bibliodiversidade precisa entrar, na prática, nas preocupações teóricas e práticas dos nossos críticos literários, dos formuladores de políticas do livro e dos nossos professores universitários.
Entre outras razões, porque o que acontece na área do livro literário pode guardar correspondência, talvez não tão direta, com o que acontece com os livros de outras áreas do conhecimento. Entender este processo é entender melhor a vida intelectual do país.
O cânone da Folha precisa, assim, ser colocado em perspectiva. Os autores selecionados estão de parabéns – é sempre prazeroso figurar numa lista de escolhidos –, mas intelectuais, jornalistas, políticos e editores talvez devam olhar mais para o que ele significa sobre o mercado editorial do que para a qualidade literária em si.
Bibliografia:
- Folha de S.Paulo. (2024). Lista dos 25 livros mais importantes do século 21. Publicado na versão online do jornal em maio de 2024.
- Associação Brasileira das Editoras Independentes (ABE) & Câmara Brasileira do Livro (CBL). Relatórios e dados de mercado editorial brasileiro 2020-2024.
Imagens: Canva/ Amazon/Divulgação
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